segunda-feira, 20 de julho de 2009

Ônibus matam mais

CORREIO BRAZILIENSE

20/07/09

Em 2008, coletivos se envolveram em 704 acidentes, que tiraram a vida de 50 pessoas. Os números, do Detran, superam os de 2007

As pistas parecem pequenas para os ônibus. Eles mudam bruscamente de direção, boa parte das vezes sem ao menos sinalizar. Ignoram as baias e param no meio da rua para o embarque dos passageiros. Faixa de pedestre, sinais de trânsito e velocidade regulamentada parecem insuficientes para impor limites. Se do lado de fora os condutores de carros menores se sentem acuados, a situação é ainda pior para quem está dentro dos coletivos. Veículos lotados, freadas bruscas e pressa para arrancar expõem os passageiros a riscos. E não são poucos. Os ônibus estão matando mais.

Em 2008, os coletivos se envolveram em 704 acidentes. O saldo foi de 1.013 feridos e 50 mortos. Para cada grupo de mil coletivos ocorreram 6,5 acidentes fatais, um aumento de 18,1% em relação a 2007 (veja números ao lado). O Correio teve acesso com exclusividade às estatísticas preliminares sobre acidentes com ônibus e as infrações de trânsito mais flagradas por equipamentos eletrônicos, agentes do Departamento de Trânsito (Detran) e do Batalhão de Policiamento de Trânsito da Polícia Militar (BPTran). O relatório revela que, em números absolutos, o percentual de mortos é 28% maior que o mesmo período de 2007 e, o de feridos, 11,3%.

Portador de necessidades especiais, o servidor público Luiz Adilson Oliveira, 39 anos, desconhece as estatísticas, mas sabe de cor as atitudes de motoristas que, na opinião dele, contribuem para as tragédias. “Eles não respeitam ninguém. Idoso e deficiente físico então, nem se fala. Correm muito e não esperam você entrar no ônibus e já arrancam”, enumera. Oliveira conta ter caído pelo menos três vezes dentro do coletivo, a última delas na W3. “Uma vez estava sentado no banco da frente, o motorista freou tão forte que passei por cima do cano de proteção e caí nas escadas. Quando abri os olhos, os outros passageiros tentavam me levantar”, detalha.

Arrastada

Muitos casos de feridos sequer entram para as estatísticas porque dependem da queixa da vítima. E nem sempre as pessoas procuram as delegacias ou os órgãos responsáveis pela gestão do transporte público para oficializar a denúncia. Foi o caso da dona de casa Ivonete Sales dos Santos, 59. No ano passado, ela ficou presa à porta traseira do veículo e acabou arrastada por cerca de 5 metros. O motorista só parou porque as pessoas que estavam na parada começaram a gritar. “Quando eu descia o último degrau para colocar o pé no chão, o motorista arrancou. Só deu tempo de agarrar naquele ferro. Os dedos dos meus pés ficaram sem a pele. Fui à farmácia e fiz curativo. Depois, cuidei em casa”, conta.

Com o sobrinho de Ivonete Santos, o caso foi mais grave. Em 1998, o técnico em automação bancária Rodrigo Sales dos Santos Leandro, 28 anos, caiu do ônibus no momento em que o veículo fazia uma curva. O acidente foi perto do Memorial JK, no Eixo Monumental. Rodrigo diz ter ficado inconsciente por quase 15 minutos. Socorrido ao Hospital de Base de Brasília (HBDF), os exames constataram traumatismo craniano leve com formação de três coágulos de sangue. Ele não precisou passar por cirurgia. Mas teve de tomar remédio controlado por seis meses.

Rodrigo Sales conta que a ocorrência foi registrada na 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro). “Me perguntaram se eu queria registrar queixa contra o motorista. Eu não quis. Se fosse o caso, denunciaria à Viplan. A porta do ônibus abriu porque estava com defeito”, diz. A estudante de pedagogia Amanda Souza, 23 anos, quebrou o pé num acidente que, segundo ela, foi provocado por um condutor de ônibus. “Ele nem parou para ver se estávamos vivos”, ressalta.

O que eles dizem

SINDICATO DAS EMPRESAS DE ÔNIBUS

Por meio da assessoria de imprensa, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo (Setransp), Wagner Canhedo Filho, acusa o GDF de promover a indústria das multas. Cita como exemplo as multas por excesso de velocidade, que, na sua opinião, ocorrem em função dos diferentes limites de velocidade em uma mesma via. Diz ainda que é humanamente impossível uma pessoa não ser multada em Brasília por conta disso.

Em relação ao aumento dos acidentes envolvendo os ônibus, Canhedo Filho, por meio da assessoria de imprensa, destacou que o aumento da quilometragem rodada dos ônibus do transporte coletivo eleva a possibilidade de acidentes. Em relação aos atropelamentos de pedestres por ônibus, Canhedo Filho ressalta que o sindicato não tem conhecimento de que nenhum ônibus tenha subido na calçada e atropelado pedestre. Para ele, portanto, os índices possivelmente refletem desatenção dos pedestres. O executivo finaliza dizendo que seria importante que o Detran aplicasse os recursos das multas em campanhas educativas, inclusive de pedestres, que muitas vezes são os responsáveis pelos acidentes.

SINDICATO DOS RODOVIÁRIOS DO DF

O presidente do Sindicato dos Rodoviários do DF, João Osório da Silva, ameniza a responsabilidade dos motoristas nos acidentes e infrações de trânsito. Diz que, em muitos casos, o radar está mal posicionado. Como exemplo, ele cita o equipamento instalado no Eixo Monumental, perto do Tribunal de Justiça do DF. “O pardal fica em cima do ponto de ônibus. O semáforo está verde e o motorista vive a angústia de passar e ficar parado no meio do cruzamento aguardando o ônibus sair da parada para terminar de chegar. Se nesse intervalo, ficar vermelho, é como se ele tivesse furado o sinal”, exemplifica.

Sobre as queixas de excesso de velocidade e impaciência do motorista que não espera o passageiro embarcar, João Osório atribuiu parte da responsabilidade ao DFTrans que, segundo ele, estipula um tempo muito curto para cumprimento dos trajetos. Com isso, o motorista é pressionado a correr e não pode dar a atenção necessária ao usuário. “Muitas vezes, arranca bruscamente, não dá tempo suficiente para a criança, os idosos e a grávida se acomodarem. A empresa não faz adequação do tempo itinerário porque precisa aumentar frota. Aí aumenta custo. Para não ter isso, pressiona o motorista a fazer percurso mais rápido”, afirma.

TRANSPORTES URBANOS DO DF (DFTrans)

O diretor técnico do DFTrans, Cristiano Dalton Mendes Tavares, diz que o aumento dos acidentes fatais e das infrações cometidas revelam que o motorista de ônibus está mais imprudente. “Avanço de sinal, excesso de velocidade, parar sobre a faixa, não usar cinto de segurança são infrações que dependem exclusivamente da consciência e prudência do condutor”, avalia.

Tavares atribui ao Sindicato dos Rodoviários a responsabilidade pela insatisfação dos usuários com o transporte público. Segundo ele, a entidade de classe “dá guarita a todo tipo de barbaridade”. Ele citou dois exemplos: o de um motorista flagrado alcoolizado e outro que trafegava a 110km/h. “Notificamos as empresas e eles foram demitidos. Nos dois casos, o sindicato fechou a garagem e não permitiu que nenhum ônibus saísse até que os dois motoristas fossem readmitidos”, citou.

Segundo Tavares, casos assim já foram denunciados aos ministérios Público e do Trabalho, mas nada foi feito. O governo está investindo em parcerias para promover cursos de reciclagem do condutor. Espera, com isso, que o cidadão seja melhor tratado. Além disso, as câmaras de segurança — que evitarão assaltos – servirão também para que o governo monitore as atitudes do motorista. Em 60 dias, o contrato com a empresa que vai fornecer os equipamentos deve ser assinado.

Artigo - Por Joaquim Aragão

A qualidade da direção no transporte coletivo urbano é um problema sério, aliando-se a diversos outros aspectos negativos que afetam a imagem do transporte coletivo e expulsa os usuários para outros modos, notadamente o individual. Além de enfrentar a irregularidade dos serviços, a falta de informação, a má qualidade do veículo e, acima de tudo, um preço alto, o usuário tem ainda uma viagem desagradável e insegura. Ao barulho e aos solavancos que tornam perigosa a circulação dentro do veiculo, soma-se a sensação de desconforto e insegurança.

A que se deve isso? Evidentemente, o profissional motorista tem sua dose de responsabilidade, afinal ele é um cidadão, gosta de ser tratado como tal, e teria de respeitar o direito dos usuários e de outros transeuntes. Mas também há vários fatores que provocam estresse no profissional e afetam a sua forma de dirigir.

Via de regra, o comportamento do profissional reflete aquele que recebe do seu patrão. Pode-se observar que em empresas que maltratam o empregado, esses repassam o mau tratamento aos clientes. Assim sendo, a qualidade da direção é reflexo direto da qualidade da empresa e da sua liderança. Como corolário, as más empresas, além de maltratá-lo, não investem na qualidade do seu profissional, na sua capacitação.

As condições de tráfego contribuem para o estresse de todos os circulantes, e o motorista de ônibus, dado o caráter rotineiro e constante de sua atuação no trânsito, sofre sobremaneira nessa “guerra”. O carro particular se comporta, frequentemente, como um verdadeiro inimigo do ônibus. Em parte, a própria engenharia de trânsito é responsável pelo estresse na condução de um ônibus: as curvas são fechadas demais, enquanto que as esquinas com previsão de entrada de ônibus deveriam ser dotadas de raios maiores.

Aliás, vale um comentário especial sobre as paradas de ônibus: ainda é comum, entre os administradores responsáveis, achar que a baia de ônibus é um benefício para o transporte coletivo. Na verdade, essa baia, que obriga o ônibus a sair da circulação e lutar ferozmente para voltar, é um benefício antes de tudo para o transporte individual, que fica assim como a pista livre na altura da parada de ônibus.

Como resultado, para evitar o desgaste na volta à circulação, os motoristas dos ônibus ficam longe da calçada de embarque, para poderem prosseguir em uma posição de força menos desfavorável contra os automóveis. Vale dizer que o estresse provocado nos motoristas pelas baias é um dos fatores para a redução de sua atenção. Hoje em dia, a construção de baias de paradas está sendo abandonada no mundo inteiro, por ter sido reconhecida a injustiça que elas provocam contra o transporte coletivo e seus passageiros e os pedestres.

Infelizmente, falta muito aos nossos administradores do transporte coletivo e do trânsito, mas também aos donos da empresa de transporte coletivo, entender as necessidades concretas dos passageiros e dos motoristas. Afinal, aqueles costumam viajar de carro, e transporte coletivo ainda tem tratamento de coisa de pobre, portanto sem direito à cidadania.

Professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB

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